A Sports Value, especializada em marketing esportivo, projeta que o esporte profissional, em nível mundial, perca mais de US$ 15 bilhões (R$ 78,63 bilhões) por consequência da paralisação ou cancelamento de eventos devido à pandemia do novo coronavírus (covid-19). O estudo “Impacto econômico da covid-19 para o esporte”, realizado pela empresa, indica o meio digital como “fundamental” para lidar com essa fase de isolamento social e recomenda que as marcas apostem em estratégias como o fan engagement (engajamento de fãs) via redes sociais.
“A pausa pode prejudicar bastante as modalidades que não são tão populares quanto o futebol”, diz Virgílio Franceschi Neto, diretor administrativo da Associação Brasileira de Gestão do Esporte (Abragesp) à Agência Brasil. “Será questão de elas saberem trabalhar em suas redes para envolverem e entreterem o público que já possuem. Claro que os fãs não as esquecerão, mas é a conexão diária. Se não tomarem atitudes para manter esse fã próximo, ele optará por outro lazer, e hoje existem inúmeras opções de lazer que concorrem com os esportes”, complementa.
Segundo Franceschi Neto, apresentar conteúdos exclusivos, como bastidores e curiosidades históricas, é um caminho a ser explorado. Esta é a linha que a Liga Nacional de Basquete (LNB) tenta seguir desde 15 de março, quando o Novo Basquete Brasil (NBB) teve que parar. “Nosso foco naquele momento foi mostrar um pouco da realidade dos atletas, que não podem parar, mas também estimular os fãs de basquete a participarem dessa história. Criamos uma hashtag e incentivamos os torcedores a enviarem vídeos criativos”, explica o diretor de comunicação da LNB, Guilherme Buso, à Agência Brasil.
A estratégia da liga foi mudando com o passar da fase de isolamento e a incerteza sobre quando a competição retornará. O Sendi Bauru, por exemplo, comunicou que não teria como prosseguir na temporada e o Pinheiros dispensou todo o time profissional. “Temos feito lives [bate-papos ao vivo] com os atletas. Quando a realização de atividades caseiras foi deixando de ser novidade, passamos a explorar o conceito histórico. Lançamos votação para o público escolher a seleção do NBB em todos os tempos e estamos buscando novos engajamentos relacionados à história do torneio”, conta Buso.
Aproximar atletas e fãs também faz parte da estratégia do Osasco Audax, ainda mais após a temporada da Superliga Feminina de vôlei ser cancelada. Além de lives durante a semana, o time paulista tem promovido treinos on-line e ao vivo aos sábados, com participação das jogadoras. No último dia 4, por exemplo, as ponteiras Ellen e Jaqueline comandaram uma aula de zumba. Segundo o clube, 10 mil pessoas foram impactadas na primeira semana das lives em mais de cinco horas de transmissão ao todo.
“O fã, muitas vezes, só tem contato com a atleta no ginásio, jogando, e pôde conhecê-las de forma mais humana, com a família, ouvindo histórias de infância”, diz Roberto Opice, gerente de marketing do Osasco. “Isso também nos deu a oportunidade de nos aproximarmos não só do torcedor que já consome o clube diariamente, mas também daquele que não tem como ir à cidade e até de outros países. E, além das métricas que as plataformas dão, é legal o engajamento do torcedor que posta em sua rede social a interação dele nos treinos ou registra a participação dele nas lives”, emenda.
“De forma geral, as ações têm sido criativas e incansáveis”, avalia Franceschi Neto. Para o diretor da Abragesp, além de fidelizar o público, essa aproximação com entidades e atletas transmite uma imagem de maior credibilidade aos fãs. “A sociedade dá muito valor ao esporte e seus ídolos. E o que o esporte dá em troca ao torcedor? O fã precisa de transparência. É uma vida de mão dupla. É uma oportunidade tremenda para uma gestão esportiva diferente. Mais clara, com princípios de governança melhores, ao alcance de todos e sabendo o serviço que o esporte proporciona às pessoas no Brasil”, conclui.
O relatório da Sports Value também classifica a exploração da audiência domiciliar consequente do isolamento social como “única na história da humanidade”. Até por isso, os profissionais ouvidos pela Agência Brasil destacam ser momento para quebra de paradigmas na gestão esportiva e na interação entre os protagonistas das modalidades
“Se você analisa os grandes atletas da NBA [liga profissional de basquete dos Estados Unidos] e do futebol europeu, como o Cristiano Ronaldo, eles cada vez mais estão expondo esse lado humano, o cotidiano, nas redes sociais e não dependendo apenas de performance. Aqui no Brasil, acho que ainda estamos um passo atrás, mas, penso que esse isolamento tem aberto um pouco a cabeça de atletas, instituições, clubes e ligas”, analisa Guilherme Buso, da LNB. “O fã, obviamente, tem interesse pelo seu time, pelos resultados, mas, cada vez mais, quer saber como esse atleta vive, que tipo de super-herói ele é fora de quadra. Isso gera engajamento”, completa.
Roberto Opice, do Osasco, acredita que a experiência pode agregar no produto oferecido aos patrocinadores do clube. “É algo que já deu certo. Em um momento tão difícil, esse engajamento virtual permite que a gente continue a dar retorno às empresas que apoiam o clube e fazem o projeto ficar de pé. Quando tudo normalizar, poderemos amplificar esse retorno, porque se unirá o ambiente físico com o digital”, justifica. “Tenho certeza de que os próprios torcedores pedirão que as iniciativas continuem, e teremos a obrigação de continuar levando esse entretenimento ao fã”, completa.
Virgílio Franceschi Neto, da Abragesp, diz que as entidades esportivas têm a oportunidade de mudar a maneira como pensam seus produtos. “O clube, a liga e a federação são donos de seus conteúdos, e há muito a ser trabalhado. Bastidores, história, vida pessoal de atletas e craques do passado. Tudo o que envolve a indústria do esporte é conteúdo que pode ser difundido. Quando voltarmos à normalidade, se as entidades caírem em si, perceberão que podem fazer muito mais com o que têm [transmissões e conteúdo exclusivos, por exemplo] e potencializar seus rendimentos”, conclui.
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